PRO LETRAMENTO – Aula 24
Introdução
Muitos de nós, diante de uma proposta pedagógica como a que se apresenta nestes fascículos, já ouvimos de alguém, ou dissemos a nós mesmos: “Interessante! Mas como é que vou dar conta disso?”
Esse tipo de comentário revela algumas de nossas preocupações com o trabalho diário em sala de aula. Uma delas refere-se ao tempo. Somos cobrados a respeitar os horários e os prazos da escola, a dar conta de projetos comuns a toda a rede de ensino em que nos inserimos, a nos
comprometer com a realização das festas e das reuniões, sem
que nos atrasemos no andamento dos “conteúdos” a serem
ensinados. Além disso, há a realização das tarefas de avaliação,
de registro e de documentação estabelecidas ao longo dos
bimestres e semestres letivos. Diante desse quadro tão familiar,
perguntamo-nos: como vou arranjar tempo para ler todo dia
com os alunos, para conversar com eles, para possibilitar que
escrevam e re-escrevam seus textos, para fazer circular o que
por eles foi produzido?
Uma outra preocupação que esse comentário revela, e que se
liga diretamente à primeira, diz respeito à organização do
nosso trabalho através do planejamento do ensino. A que dar
maior importância? Que direção e caminhos seguir? Como organizar temporalmente nossas escolhas?
Tais preocupações serão tratadas neste fascículo, em três grandes unidades:
Nas Unidades I e II, discutirem os: o tempo que dedicamos à leitura na sala de aula (o que lemos, como lemos, quando lemos e com que freqüência?) e o tempo que dedicamos à escrita (que tempo reservamos à escrita e com quais tipos de atividade o ocupamos?).
Na Unidade III, voltamo-nos para o planejamento tomando-o como uma ferramenta que possa contribuir de fato com as escolhas e com os trabalhos a nós solicitados a desenvolver no cotidiano da escola.
As unidades do texto foram organizadas como um exercício de análise e de intervenção. Ou seja, partimos daquilo que fazemos na escola, descrevemos o que ali acontece, procurando compreender como a escola funciona e como nosso trabalho funciona dentro dela (análise).
Uma pergunta nos serve de guia no exercício de análise: por que fazemos o que fazemos do jeito que o fazemos? Em seguida, passamos a considerar as possibilidades de modificar nosso modo de trabalhar e o modo de funcionamento da escola, mesmo que seja um “pouquinho” (intervenção).
Jeitos e jeitos de viver o tempo da leitura na sala de aula
Compostas a partir de escolhas feitas por nós (ou de escolhas com as quais concordamos ou a que nos submetemos), nossas rotinas retratam o que fazemos na classe com nossos alunos.
Analisando-as, podemos perceber com que freqüência uma atividade aparece no dia ou na semana, se essa atividade tem ou não um horário e um espaço definidos para acontecer e em que momento do dia acontece, a duração prevista para ela e como ela se relaciona com outras atividades. Esses elementos indicam o que consideramos mais ou menos importante no nosso
trabalho com as crianças e o que de fato mais valorizamos no tempo que compartilhamos com elas.
De modo a melhor compreendermos como as rotinas escolares dão visibilidade a nossos objetivos e propósitos como professores, mesmo que nem sempre o percebamos, analisemos algumas situações que acontecem em nosso cotidiano escolar.
Nesta cena tão corriqueira, a ponto de qualquer um de nós poder ser o professor ou a professora que a protagoniza, o que se ensina e o que os alunos aprendem com a atividade de leitura desenvolvida nessas condições?
Muitos professores resolvem ler nos últimos minutos que ainda têm para estar em sala de aula com os alunos, por considerarem que seu dever, ao final do dia, já foi cumprido. E, nesse caso, talvez esperando que essa possa ser uma maneira mais descontraída de encerrar o dia, acabam demonstrando, com sua atitude, que a leitura de histórias em voz alta é algo pouco importante,
que não merece atenção já que pode ser realizada mesmo em condições adversas, como as interrupções, a dispersão e o esvaziamento da classe.
O fato de orientarmos nossos alunos para que guardem todos os materiais na mochila, para depois ouvirem a história a ser lida, indicia às crianças que essa leitura não será seguida de exercícios, o que as coloca, em certa medida, fora das tarefas próprias da aula. Além disso, como tudo que é considerado
“sério” na escola — as lições e os exercícios — foi concluído e está guardado na pasta, tudo indica que a aula já acabou e só falta esperar tocar o sinal. É possível que as crianças estejam entendendo, neste contexto, que essa leitura serve para ocupar o tempo, quando já não temos o que fazer para
mantê-las quietas, até que o sinal toque.
E o que podemos nós, professores, ler nas atitudes dos alunos? Nós também
podemos entender que a leitura não é considerada por nossos alunos uma atividade tão encantadora como sugerem as propostas pedagógicas, pois muitos deles mostram-se mais interessados em ir embora e a serem chamados para sair da sala, do que em nos ouvir.
Ao pensarmos assim, no entanto, nos esquecemos de que fomos nós mesmos que provocamos e montamos essa situação. Fomos nós que, mesmo sem essa intenção definida, acabamos mostrando aos nossos alunos que a leitura também serve para ocupar (matar?) o tempo que ainda resta para o final da aula.
Considerando ainda esta cena, ocorre-nos perguntar: Que investimento está sendo feito, de fato, na atividade de leitura descrita? Qual a função social da leitura nessa situação? Há realmente um espaço e um tempo para ela neste contexto?
Fonte: http://www.ensinandocomcarinho.com.br/