PRO LETRAMENTO – Aula 27 .


PRO LETRAMENTO – Aula 27

Unidade III
Planejamento
Planejar: trabalhar com escolhas prévias
Comenius, conforme citado anteriormente, já anunciava no século XVII que o estudo na escola deveria ser distribuído por anos, meses, dias e horas. Apontava também a necessidade de se apresentar ao aluno um caminho fácil e seguro de pôr o conhecimento aprendido em prática e com bom resultado. Havia também, já naquela época, a preocupação de oferecer uma escola em
que houvesse menos barulho, menos enfado, menos trabalho inútil, e que, ao contrário, ensinasse aos alunos mais recolhimento, mais atrativos na arte de aprender e que esse aprendizado fosse mais sólido e trouxesse progresso a quem o adquirisse.
Segundo definição do dicionário Houaiss, planejamento é o serviço de preparação de um trabalho, de uma tarefa, com o estabelecimento de métodos convenientes; um conjunto de procedimentos, de ações visando à realização de determinado projeto.
Na escola sempre ouvimos falar de planejamento. Temos a semana de planejamento, data de entrega de planejamento, revisão do planejamento, atualização do planejamento. No entanto, na maioria das vezes em que somos lembrados ou cobrados do planejamento, ele vem
acompanhado de tarefas que julgamos burocráticas e para as quais não vemos utilidade ou sentido na rotina escolar.
Propomos neste texto fazer uma reflexão sobre o que vem a ser planejamento. Não o burocrático e sem sentido que muitas vezes nos vemos solicitados(as) a fazer, mas um planejamento que possa contribuir para a realização de um trabalho intencional e também para nossa tarefa de formar alunos com maior domínio dos conhecimentos que a escola deve trabalhar.
Tomemos o planejamento como uma ferramenta que possa contribuir de fato com as escolhas e com os trabalhos, os quais nós professores e professoras somos chamados(as) a fazer nas escolas brasileiras — escolas que, ao longo da sua história, nunca tiveram um número tão grande e tão diversificado de alunos.

O nosso planejamento e o interesse dos alunos:
como se relacionam?
Há tempos temos acompanhado as discussões que problematizam a não-inclusão dos saberes dos alunos no planejamento escolar. É comum ouvirmos: “Deve-se partir da realidade do aluno”; e isso não parece nenhuma novidade nos meios escolares. Porém, quando nos damos conta de que é chegada a hora de planejar nossas aulas, essa afirmação tão presente nas
discussões entre os educadores nem sempre ganha visibilidade nas ações educativas.
Algumas vezes a resolução dos exercícios contidos nos livros didáticos ocupa a maior parte do tempo das aulas, ou melhor, ocupa quase todo o tempo do ano letivo. Resulta daí uma idéia de que trabalhando o livro didático não se faz necessário um planejamento cuidadoso, detalhado, ou ainda, de que não se faz necessário planejar “aula a aula” — já que tudo parece tão previsto, tão pronto e acabado em suas páginas.
Entretanto, até mesmo quando elegemos o livro didático como nosso material de trabalho permanente, o planejamento e a organização do nosso trabalho são essenciais. Ler os textos, os exercícios, selecionar páginas, inverter a ordem das unidades, acrescentar idéias, levar uma música ou um filme relacionados a um conhecimento abordado no livro, questionar dizeres ali
presentes, são posturas que requerem de nós educadores uma atitude diferente daquela de somente escrever no caderno o número a que
corresponde a unidade do livro didático que se pretende desenvolver naquela semana: Hoje vou dar a unidade 1 do livro didático, amanhã a unidade 2 e assim por diante. Quando optamos por escrever apenas o número da unidade a que corresponde o trabalho, estamos mostrando com essa atitude que o nosso planejamento reduz-se somente a uma aceitação do livro didático, tal como ele é. 
Há uma perspectiva de ensino que acredita em um planejamento flexível e capaz de considerar a realidade da criança. Defende a necessidade
de voltar-se diariamente para o já feito e de reorganizar a rotina, de modo a adequá-la a cada realidade educacional.
A maneira de trabalharmos com o livro didático, ou ainda, com os conteúdos escolares, não precisa necessariamente ser sempre a mesma; nem é desejável que seja. A maneira como o usamos faz diferença no trabalho pedagógico, porque o livro didático não se traduz como o
planejamento em si, ele pode vir a compor parte desse. Sabemos que todas as crianças têm direito ao acesso e domínio do conhecimento historicamente acumulado pela humanidade, porém a maneira de trabalharmos com esse conhecimento é que pode ser distinta daquilo que vem definido e posto pelos livros.
A idéia de partirmos de assuntos que estejam mobilizando o grupo depende do contexto no qual a escola está inserida. Como exemplo, podemos citar
uma professora que trabalhou em suas aulas diferentes artigos de jornais sobre as enchentes que ocorriam no bairro onde a escola estava situada. As crianças recontaram os artigos oralmente dando suas opiniões e depois as registraram em um texto coletivo. 
Nesse caso, trata-se de uma prática pedagógica de uso da escrita que contempla as necessidades sociais e não somente as necessidades definidas internamente pela escola. 
A professora que organizou tais textos com seus alunos reconhece que todos eles têm o direito de aprender como organizar as informações oralmente e por meio da escrita. Ao selecionar uma determinada problemática vivida no bairro, a professora planejou suas aulas. Em seu planejamento de trabalho a professora partiu da realidade do aluno, mas não
permaneceu nela. Assumiu como perspectiva que o próprio conhecimento também se
transforma.
O convite que fazemos, então, é para tomarmos o planejamento como possibilidade de fazer da rotina escolar um momento de escolha e decisão. Aquele professor ou professora que analisa sua classe aprende a conhecer seus alunos, enxerga suas necessidades, busca atividades, ações,
interferências para que os alunos avancem na qualidade do domínio do conhecimento escolar. 
Somos nós os responsáveis por ouvir, respeitar e considerar o interesse dos alunos, e também somos nós os profissionais que decidem, escolhem e têm autoridade para definir qual o trabalho mais adequado a ser implementado.
Quem está na sala de aula trabalhando com os alunos sabe que não são só os seus interesses, ou só o que eles gostam de fazer que devem ser contemplados no planejamento. Somos nós a autoridade da sala de aula, responsáveis pela relação ensino-aprendizagem e pela escolha de
ações que resultem no aprendizado do aluno. Ou seja, é importante partir do interesse dos alunos, mas quem planeja e decide o trabalho somos nós.
Nesse sentido, o planejamento define-se como um instrumento didático necessário, flexível e inacabado. Por exemplo, dificilmente um professor que, no início do ano, planeja pela primeira vez suas aulas pode prever uma enchente que mobilizará seus alunos e que esse fato abrirá excelentes perspectivas de trabalho.
Para contemplarmos imprevistos como a enchente, por exemplo, trabalhamos com a idéia de dois planejamentos. Um “cheio”2 , elaborado previamente, contendo os objetivos, os conteúdos e as estratégias didáticas específicas para cada série e um “vazio”, que contemple os imprevistos trazidos pelos alunos ou pelo próprio professor. A partir da idéia de planejamento
cheio e vazio fica mais fácil incorporar assuntos e acontecimentos relevantes ao grupo sem cairmos no espontaneísmo que a falta de planejamento gera.

Planejar viagens e planejar aulas: o que há em comum?


Segundo Amyr Klink3 , famoso navegador brasileiro, conhecido em todo o mundo pelas suas viagens solitárias “(…) existe uma diferença entre viagens e aventuras. Surfar nas ondas do Drake , atravessar o Atlântico ou
subir o Solimões não eram aventuras. Mesmo cair na serra da Quebra-Cangalha e passar dia no mato abrindo caminho com canivete preto não teria sido uma  aventura, porque eu tinha, antes de mais nada, uma bússola e um
lugar para ir. Um rumo e um destino fazem a diferença em qualquer situação.”

Ao ler o trecho mencionado podemos nos perguntar: o que uma viagem tem em comum com uma sala de aula? Em que as diferenças entre os conceitos de viagem e de aventura apresentados por Amyr Klink podem contribuir para refletirmos sobre a organização do nosso trabalho na escola? Por que um navegante, apesar de ter feito algumas viagens sozinho, dá em
suas entrevistas o depoimento de não ter se sentido solitário em suas viagens? 
Talvez, uma das possibilidades de resposta para essas questões esteja dentro desse mesmo trecho do livro Paratii, pois o autor diz: “Um rumo e um destino fazem a diferença em qualquer situação”.
Uma reflexão sobre a diferença entre o conceito de viagem e o de aventura (circunstância ou lance acidental, inesperado; peripécia, incidente) talvez possa nos ensinar um pouco sobre o tempo pedagógico e o planejamento na escola.
Planejam-se viagens, mudanças, rumos, construções. Planeja-se encontrar pessoas queridas, ter filhos, conhecer novas pessoas. Os acontecimentos que vivenciamos no nosso dia-a-dia, na maioria das vezes, mostram os resultados ou os efeitos dos planejamentos e das escolhas que fizemos. Na escola não é diferente: para colocarmos em prática nossas escolhas, utilizamos
instrumentos. Navegadores como Amyr Klink utilizam a bússola (“eu tinha, antes de mais nada, uma bússola”) para garantir o rumo de suas viagens e os objetivos que se quer atingir (“e um lugar para ir”). O planejamento, ao reunir uma série de procedimentos que pretendemos desenvolver com nossos alunos, dá uma direção ao nosso trabalho.
No entanto, ao refletirmos sobre nosso trabalho no dia-a-dia na escola, constatamos, algumas vezes, que ele tem se aproximado mais de uma aventura cheia de espontaneidade, como já citamos anteriormente, do que de uma viagem, que é planejada com cuidado e em que se considera a importância de cada detalhe. 
São tantas as solicitações com as quais nos deparamos em nosso cotidiano: das famílias, das campanhas e dos projetos sociais com informações sobre saúde, alimentação, higiene, trânsito, violência e comportamento, que parece não sobrar tempo para trabalhos como os de leitura e de escrita. Todos os temas trazidos para a escola são importantes, mas eles já têm espaço em outras
instituições sociais. Já o trabalho com a sistematização do conhecimento sobre a leitura e a escrita cabe à escola. Cabe a nós, professores e professoras, o trabalho em favor do domínio da leitura e da escrita pelos alunos.
O planejamento – a programação das atividades, a distribuição do tempo de modo a controlar o trabalho – é certamente uma das possibilidades de estabelecer uma rotina que contemple atividades de leitura e de escrita.
O planejamento da rotina é entendido como compromisso com a organização das atividades dentro do tempo pedagógico. O planejamento passa a ser visto sob a ótica da escolha e do controle do professor sobre seu próprio trabalho. Com isso, garantimos novas escolhas, que geram a liberdade para mudanças, adequações e alterações necessárias.
Para isso, não devemos ter medo nem nos livrar da responsabilidade de organizarmos cada atividade da rotina, seja ela dentro ou fora da sala de aula. Nós, professores e professoras, somos responsáveis pela articulação das várias atividades e áreas do conhecimento que compõem o trabalho de ensinar.
O planejamento da rotina é, portanto, uma tarefa que cabe a nós, professores e professoras.

Paramos na pagina 132 e continuamos amanhã 🙂


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