PRO LETRAMENTO – Aula 26


PRO LETRAMENTO – Aula 26

Como as situações apresentadas podem nos ajudar
a organizar o tempo na sala de aula?

Nos relatos apresentados, a leitura e a escrita desenvolvidas pelas  professoras ocupam um lugar distinto na rotina escolar. A duração, a intensidade e o modo como o tempo é vivido pela professora e pelas crianças, em cada uma delas, também são bem diferentes.

No primeiro relato analisado a atividade da roda de leitura realiza-se em condições não favoráveis à participação dos alunos, parecendo preencher as sobras de tempo que aparecem na rotina escolar. No relato nº 3 a atividade
escolhida pela professora – cópia do alfabeto – tem um tempo assegurado e valorizado por ela na rotina, mas esse tempo não é experimentado como relevante pela criança que protagoniza o episódio. Essa criança, para realizar seu desejo de aprender a ler e escrever, vive intensamente os pedaços de tempo que sobram na rotina estabelecida pela professora.

Nos demais relatos a leitura e a escrita têm um tempo assegurado para sua
realização, funções em comum para os professores e para seus alunos e são realizadas com regularidade. E é a regularidade dessas atividades que permite, aos professores, avaliar o sentido que ouvir histórias e registrá-las por escrito passam a ter para seus alunos.

O fato de terem esse tempo assegurado na rotina escolar e a constância com que se realizam indicam, nos dois casos, que essas atividades são importantes para os professores, que se preparam para realizá-las, tanto em termos materiais quanto organizacionais.
Ou seja, para assegurar a realização diária da roda de leitura, o professor escolhe o que vai ler, prepara-se para essa leitura, garante a ela um tempo adequado para acontecer sem interrupções, sem dispersão e de modo a ser compartilhada com todos os alunos do começo ao fim. Ele Se prepara materialmente, assegurando-se desse modo o acesso a um acervo de obras para a leitura.
No caso da escrita como registro da história dos sujeitos o professor organiza a seqüência em que os responsáveis pelas crianças virão à escola, combina o horário e o dia em que cada um conversará com a turma, dispõe do material
necessário para o registro do depoimento, prepara as crianças para a realização desse tipo de atividade. De modo a garantir condições adequadas
para um projeto de longa duração como esse, o professor organiza, etapa a etapa, ao longo dos dias, semanas e meses de sua realização.
No caso da escrita das cartas, o professor garante seu envio para outra turma, reserva tempo para a leitura das respostas recebidas e para a escrita de
novas cartas.
Todo o investimento que as duas professoras mencionadas anteriormente fazem na realização dessas atividades envolve tempos:
o tempo do seu planejamento, o tempo da sua preparação, o tempo do acontecer no momento da aula, quando está diretamente com as crianças.
Por sua vez, o tempo do acontecer na sala de aula também circunscreve tempos: o tempo de duração da atividade como um todo, o tempo a ser assegurado para cada uma de suas partes e para as intervenções de seus participantes.
Por exemplo, o tempo que calculamos para a realização de uma atividade de produção de textos é diferente quando consideramos o texto como algo
escrito pelo aluno para ser lido e corrigido pelo professor. Ou quando o consideramos como uma atividade de interlocução pela escrita, que envolve
leitores e um processo de elaboração que necessita do rascunhar de idéias e da revisão, tanto durante a própria escrita, quanto depois de um certo
distanciamento em relação a ela. 
Os tempos investidos em cada uma das atividades, por sua vez, articulam-se a outras atividades que também compõem a rotina escolar. Ou seja, como parte da organização do dia, a leitura feita pelo professor e a
escrita como registro da história ou como correspondência situam-se como atividades relevantes, entre outras atividades igualmente relevantes porque são necessárias ao aprendizado da leitura e da escrita como práticas sociais.
Assim, para ensinarmos as crianças a ler, a escrever e a utilizar a leitura e a escrita como meios para a apropriação e elaboração de outros conhecimentos, precisamos garantir-lhes o acesso a essa diversidade.
A diversidade é garantida por uma rotina composta por atividades que possibilitem às crianças elaborar a leitura e a escrita em suas muitas funções, gêneros e estilos, conhecer e explorar seus suportes diversos – como o livro de literatura, o jornal, as revistas, os textos científicos, as
enciclopédias e livros didáticos, os Atlas, os dicionários, etc. — e também dominar seus aspectos técnicos, relativos ao uso do código da escrita, tais como exercícios de codificação e decodificação.

Em uma rotina assim organizada, cada atividade tem sentido e importância em sua relação com as outras tantas atividades que, com ela, compõem nosso dia e nossa semana. Assim, a roda de leitura, como um momento de contato com a literatura, integra-se a momentos de leitura e compreensão de textos do livro didático, de produção e reescrita de textos, de elaboração de
comentários sobre notícias lidas ou ouvidas e de realização de exercícios de decodificação, análise e reconhecimento da palavra, entre outros. É no conjunto dessas atividades diversas que se amplia o vocabulário, que se exercita a cópia de informações pertinentes a um fazer ou de
produções coletivas não impressas, que a leitura ganha fluência, que as normas da língua são aprendidas, que o traçado das letras se consolida.
As atividades diárias e semanais não se complementam apenas pela diversidade que garantem, mas também pelos saberes e processos comuns que elas envolvem, possibilitando, no seu conjunto, a imersão do aluno no mundo da escrita e a articulação entre os tempos investidos pelos professores e pelos alunos para sua realização.
Por outro lado, muitos pesquisadores e estudiosos da escola criticam várias atividades e as nomeiam como “atividades sem sentido”.
E o que torna uma atividade sem sentido? Uma atividade torna-se sem sentido quando nos esquecemos de seus limites e de sua necessária articulação com outras atividades. Nesses casos, acabamos por investir excessivamente em uma ou outra atividade, o que resulta em situações de

especialização desastrosas, que bem conhecemos hoje, tais como o aluno copista que não sabe ler, o aluno que não escreve palavras erradas do
ponto de vista ortográfico, mas não sabe compor um texto, etc.
O investimento excessivo em algumas atividades decorre de nosso desconhecimento daquilo que elas possibilitam ao aluno elaborar em termos do conhecimento sobre a escrita e do sentido que têm para a prática social da leitura e da escrita. Por desconhecermos o alcance e os limites das
atividades de leitura e de escrita, também perdemos de vista como elas se complementam.
No sentido de nos alertar para a diversidade, a constância e a complementaridade entre as atividades, necessárias à apropriação e elaboração das práticas sociais de escrita por nossos alunos, a
construção de uma rotina torna-se relevante. O fato de o dia-a-dia e a semana escolares serem compostos por momentos diversos, possibilita à professora e às crianças organizarem-se para as atividades, construindo os sentidos do tempo e os sentidos de seus aprendizados. Ou seja, o que
se ensina e o que se aprende em cada um dos momentos da rotina escolar? Qual o valor – escolar e pessoal – que se atribui a cada uma das atividades que neles se vive? Mediados pela rotina, professor(a) e alunos e mesmo os professores e professoras da escola entre si, em suas interlocuções sobre o trabalho, localizam-se no tempo e nas atividades, organizando as
condições necessárias para que o conhecimento da leitura e da escrita possa acontecer de fato e se consolidar.


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