A Samaritana no Poço de Jacob


Postado por Lu Beheraborde
PRIMÍCIAS DO REINO (CAPÍTULO 9 “A MULHER DE SAMARIA”) – ESPÍRITO: AMÉLIA RODRIGUES / MÉDIUM: DIVALDO PEREIRA FRANCO

A jornada do Mestre e seus discípulos fora longa: cerca de cinqüenta quilômetros.
A garganta ressequida, o corpo cansado e coberto de pó pedem linfa cristalina e refrescante.
Ao chegarem às cercanias da cidade, o Rabi assentou-se junto ao tradicional “poço de Jacó”, nos terrenos que pertenceram a esse venerando ancião e foram legados a seu filho José, onde fica-ra sepultado.
Os discípulos subiram à cidade para aquisição de víveres e frutas, enquanto Jesus aquietou-se em profundo cismar, perdido na paisagem colorida.

* * *

Cântaro ao ombro, mergulhada em íntimas inquietações, uma mulher desce ao poço sob o Sol queimante e a pino.
Surpreende-se com o estranho olhar que lhe dirige o forasteiro judeu, que ali parece aguardá-la.
Atira, porém, o vaso sobre a água e recolhe o precioso líquido na bilha que repousa sobre o paiol.
Sente-se intranquila, como se algo estivesse para suceder-lhe.
Emoções desconhecidas tumultuam-lhe o espírito.
Quando se dispõe a tomar o vasilhame e retornar ao lar, ouve:
– Dá-me de beber!
Volta-se, surpresa, dominada por estranhos e profundos ressentimentos.
Como ousa aquele estrangeiro dirigir-lhe a palavra, atentando contra os costumes vigentes? – interroga mentalmente. Que homem é este que se atreve a dirigir a palavra a uma mulher, sabendo-se que ninguém ousava fazê-lo na rua, mesmo que fosse à esposa, filha ou irmã? Ignorará ele essa regra comezinha, parte integrante dos deveres sociais? E, solene, retruca, com proposital ironia na voz, com que extravasa a própria amargura:
– Como sendo tu judeu me pedes de beber a mim, que sou mulher samaritana?
No vale, maio cantava através de mil cigarras no trigal; a estrada deserta e silenciosa perde-se montanha a dentro.
Jesus conhece as dissensões que separam os dois povos: judeus e samaritanos.
Não seria esta a única vez que Ele provocaria escândalo, afrontando costumes odientos e convencionais.
Tem uma mensagem a dar – mensagem de conciliação e consoladora.
Para isto deixara propositalmente a estrada do Jordão e subira as serras. Programara aquele encontro, desde antes…
Aquela mulher, Ele a escolhera para ser a condutora do seu aviso a Siquém.
Responde-lhe, então, sem aspereza nem revide, por conhecê-la, talvez, intimamente.
Sua voz é cantante, compadecida:
– Se tu conhecesses o Dom de Deus, e quem é o que te diz: dá-me de beber, tu Lhe pedirias, e Ele te daria água viva.
Vibrações incomparáveis estrugem no coração da mulher.
Guardava ânsias de paz e não sabia como ou onde encontrá-la.
Uma dúvida, porém, a inquieta.
O espanto dá-lhe à voz uma tonalidade de respeito.
– Senhor! – exclama – tu não tens com que a tirar, e o poço é fundo; onde pois tens a água viva? És tu maior do que nosso pai Jacó que nos deu o poço, dele bebendo, ele próprio, seus filhos e o seu gado?
Os olhos do estranho fulguram com um fascínio desconhecido.
A revelação não tarda; a mensagem espraiar-se-á no ar, embalando o mundo, quando Ele a enunciar.
– Qualquer que beber desta água tornará a ter sede; – foi explícito – mas aquele que beber da água que eu lhe der, nunca terá sede, porque a água que eu lhe oferecer se fará nele uma fonte de água que salte para a vida eterna.
– Dá-me dessa água – disse, pressurosa, – para que não mais tenha sede, e aqui não venha tirá-la.
Penetrara a mulher o sentido das palavras do Rabi? Desejava libertar-se da exaustiva tarefa ou buscava mais clareza no ensino?
Os meigos olhos dEle incendeiam-se e se fixam nos olhos dela, penetrando-lhe o recôndito do espírito.
– Vai chamar o teu marido e vem cá – ordena-lhe com brandura e segurança.
Ela se perturba.
Era uma pecadora, e Ele o sabia, – conjectura…
Esse era o seu tormento íntimo.
Quanto se sentia ferida, humilhada no seu amor, receosa!…
As lágrimas afloram e escorrem abundantes; a palavra empalidece o vigor nos seus lábios e, quase sem fôlego, esclarece:
– Não tenho marido…
A vergonha estampa no seu rosto moreno a própria dor.
– Disseste bem: não tenho marido; – confirmou Jesus – pois que cinco maridos tiveste, e o que agora tens não é teu marido; isto disseste com verdade.
Surpreendida, a samaritana não mais oculta a alegria, a felicidade.
Grita, quase:
– Senhor, vejo que és Profeta!
A mente está em desalinho.
Quantas dúvidas a atormentaram a vida toda!… Agora está diante de um Profeta de Deus. Deve aproveitar cada instante, reabilitar-se, encontrar a paz, por fim.
Comovida, interroga com docilidade.
– Nossos pais adoraram neste monte, e vós dizeis que é em Jerusalém o lugar onde se deve adorar.
– Mulher, acredita-me – elucida o Enviado Divino – que a hora vem, em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai. Vós adorais o que não sabeis; nós adoramos o que sabemos porque a salvação vem dos judeus. Mas a hora vem, e agora é em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade, porque o Pai procura a tais que assim o adorem.
A mulher, perplexa, enche-se de ventura.
Tão indigna se considera, e, no entanto, fora chamada à Verdade, ouvindo o que nenhum ou-vido jamais escutara antes.
O Desconhecido olha em derredor, e continua com música harmoniosa nas palavras:
– Deus é o Espírito, e importa que os que O adoram, O adorem em espírito e em verdade.
A humilde “aguadeira” terá compreendido a grandeza universal do ensino?
Transfigurada pela revelação, deseja informar-se com segurança, e indaga:
– Eu sei que o Messias (que se chama o Cristo) vem; quando ele vier – nos anunciará tudo…
A sinfonia imponente irrompe do coração do Mestre, e, ante a Natureza em silêncio e expectação, Ele conclui:
– Eu o sou; eu que falo contigo! Por isso digo que a salvação vem dos judeus.
O suor escorre-lhe pelo rosto rubro e másculo.
Já não há segredo.
Despedaçam-se as comportas do mistério e a verdade esparze alegria e consolo.
Não mais silêncios.
A mulher está conquistada.
O Reino amplia fronteiras entre os “desgarrados”…

***

Os discípulos retornam e “maravilham-se de que estivesse falando com uma mulher”, mas nada disseram.
Tomando o cântaro, a samaritana demanda a cidade e, aos gritos, proclama:
– Vinde, vede um homem que me disse tudo quanto tenho feito; porventura não é este o Cristo?
Pela afeição com que se ligou a Jesus, primitivos cristãos, que se alentaram na sua coragem de proclamar as imperfeições, denominaram a Samaritana “A Iluminadora”, que a tradição oral acatou e conservou até os nossos dias.


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