O DEVER DE CASA DOS PAIS


Quem tem filho na escola percebe logo: o que mais se espera da família é participação e mais participação. Não à toa, ela vive recebendo convites para apresentações de artes, feiras de ciências, festas e eventos esportivos. Sem falar das reuniões de praxe e das eventuais convocações individuais. Tantas tentativas de aproximação têm razão de ser. “Diferentes estudos mostram que a presença dos pais na educação dos filhos é um dos maiores, senão o maior, fator ligado ao sucesso escolar”, diz Ernesto Martins Faria, economista e autor do portal Estudando Educação, que reúne pesquisas na área. O especialista em sistemas de avaliação de ensino José Francisco Soares completa: “A probabilidade de isso ter efeito positivo no desempenho dos alunos é tão alta que a busca de uma maior integração escola-família deve ser parte decisiva de qualquer projeto educacional”. 

No fundo, ainda que de modo intuitivo, as famílias também sabem o que já é consenso entre os educadores. Em uma pesquisa da Fundação Victor Civita (FVC) com o Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, que sondou 840 pais de alunos da rede pública da cidade de São Paulo, os entrevistados consideraram a própria participação na vida escolar do filho como o terceiro fator mais importante para o professor ensinar melhor, atrás de uma boa formação universitária e um salário satisfatório. Na contramão de todas essas constatações, porém, as famílias são cada vez menos presentes. Em outro estudo da FVC, que traçou o perfil dos coordenadores pedagógicos, 78% deles disseram que há pais que se interessam e se envolvem, sim, mas uma parcela significativa nem sequer dá as caras na escola. O mais alegado empecilho é a falta de tempo, já que tanto pais quanto mães hoje cumprem jornadas de trabalho extensas e exaustivas. 


Até quem tenta manter um sistema tête-à-tête nem sempre acerta no tom. “As famílias que conseguem acompanhar a vida escolar do filho de maneira adequada, infelizmente, não são a maioria”, estima a psicopedagoga Nívea Fabrício, conselheira da Associação Brasileira de Psicopedagogia e diretora do Colégio Graphein, em São Paulo. Na pesquisa da FVC com pais paulistanos, o que foi aprendido em aula e a lição de casa só aparecem em quarto e quinto lugares do ranking de assuntos abordados nos papos com os filhos sobre a escola. Nas três primeiras posições, estão brigas, drogas e colegas de classe. 


Se as famílias falam menos do que o desejado sobre assuntos que interessam diretamente à aprendizagem, imagine ter uma participação mais ativa. Uma análise dos micro-dados recentes do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), feita por Ernesto Faria a pedido de CLAUDIA, mostrou que 94% dos docentes relacionam as dificuldades dos seus alunos à falta de assistência e acompanhamento dos responsáveis nos deveres de casa e nas pesquisas. 


Segundo a coordenadora pedagógica do Colégio Equipe, em São Paulo, Luciana Fevorin, é mais frequente que os pais de crianças na educação infantil e nos primeiros anos do ensino fundamental fiquem lado a lado na hora da lição de casa do que os que têm filhos na segunda etapa do fundamental e no ensino médio – estes procuram fazer uma observação global do comportamento com os estudos. Sentar-se junto para assessorar nas tarefas pode ser positivo desde que se respeitem certas regras. 


Mas, mesmo quem não tem brechas na agenda para tanto pode contribuir com a aprendizagem. “Existe uma ideia de que família presente é só aquela que fica, diariamente, ao lado do filho para ajudar a fazer a lição, informando, corrigindo, ensinando. Mas há outras formas efetivas de participação”, avisa a pedagoga Débora Vaz, diretora do Escola Castanheiras, em Tamboré, na Grande São Paulo. “Até porque a sistematização de conhecimentos é função da escola, não da família, que deve apenas se preocupar em criar um ambiente rico e propício aos estudos”, afirma a socióloga Gisela Wajskop, diretora do Instituto Singularidades, um dos mais bem avaliados cursos de formação de professores. 


Na prática, o papel da família inclui garantir um espaço adequado para a realização das tarefas, dar acesso a fontes de pesquisa, fornecer os materiais necessários, estabelecer com a criança ou o adolescente uma rotina de estudos, cobrar pontualidade, concentração e capricho – até solicitar que o trabalho seja refeito quando, visivelmente, foi produzido só para se livrar da obrigação. Sua principal missão é estimular o comprometimento e uma noção de responsabilidade. “Não se trata de estar do lado no momento da lição para exigir a resposta correta, mas de incentivar desde cedo atitudes coerentes em relação aos estudos”, ressalta Débora.
E isso não requer saber os conteúdos ensinados em classe nem ter de reservar muito tempo. Um telefonema durante o dia e uma checagem de cadernos ao chegar do trabalho talvez sejam suficientes para quem quer começar a agir. Assim, já será possível avaliar se seu filho tende a um perfil autônomo e responsável ou se precisa de marcação cerrada – e, então, montar uma estratégia personalizada. 

Ainda que o trabalho não permita ir a todas as reuniões, a participação nas de pais e mestres é importante. São momentos de troca de informações e de travar acordos de expectativas e de procedimentos. “É necessário se informar sobre a realidade da escola e compartilhar com o filho os desafios dele. A criança precisa ver que os pais estão interessados em participar de sua vida”, diz Priscila Cruz, diretora-executiva do Movimento Todos pela Educação. 

Claro que a escola precisa fazer a parte dela, orientando os pais e evitando demandas impossíveis. Aliás, cabe às famílias vigiar isso – verificando, por exemplo, se as lições são protocolares, passadas mecanicamente e nem chegam a ser corrigidas. Recentemente, associações de pais dos Estados Unidos, da Espanha e da França manifestaram-se contra tarefas exaustivas, que, em vez de servir como instrumento para o desenvolvimento das crianças, funcionam como uma punição. Foi até lançado pelos americanos o movimento Healthy Homework Guidelines, em prol de deveres de casa estimulantes e não redundantes com o que já foi feito em sala de aula. 

Na Prima Escola, em São Paulo, os deveres de casa tradicionais vira e mexe são substituídos por atividades culturais, como assistir a um documentário ou fazer palavras cruzadas. “Programar uma ida ao Museu da Língua Portuguesa é mais importante do que passar três páginas de exercícios para resolver em casa”, defende a diretora, Edimara Lima. A especialista lamenta que as crianças e os jovens de hoje conheçam a Disney, mas, muitas vezes, nunca tenham ido a um teatro. “Por isso, a escola deve procurar ampliar a visão de mundo de seus alunos e incentivá-los a fazer conexões entre as diferentes áreas de conhecimento.” 

Os pais, por sua vez, também podem – e devem – colaborar para aumentar a bagagem cultural do filho. E isso produz um impacto altamente positivo. Uma família que frequenta unida museus, cinemas, livrarias e teatros transmite a mensagem de que o conhecimento é um bem valioso, ajudando a construir bases sólidas para uma aprendizagem mais significativa. Do mesmo modo, é essencial participar dos eventos artísticos e esportivos organizados pela escola. Até porque é uma maneira de os pais criarem uma proximidade maior com o ambiente escolar do filho, o que os torna ainda mais aptos para conversar sobre todas as questões que ocorrem ali. 

A educadora Luciana Fevorin enfatiza que, nas chances de falar sobre a escola ou de estar nela, a família deve observar o tipo de vínculo estabelecido pela criança ou pelo adolescente com o ato de aprender. “Os pais precisam ver se o filho aceita desafios ou se intimida diante deles, se lida bem com correções, se é muito exigente consigo mesmo ou, pelo contrário, faz qualquer coisa para se livrar das tarefas e o que diz sobre professores e amigos”, explica. Nem é tanto assim, até para a mãe que tem carreira e é muito ocupada. 

PARCERIA AFINADA 

Se você é daquelas mães que preferem (e podem) se sentar do lado do filho na hora de realizar a tarefa do dia, atenção para estas quatro dicas que vão ajudá-la a não ultrapassar os limites

1. Não caia na tentação de resolver todas as dúvidas que a criança encontrar sem nem deixá-la pensar e praticamente fazendo a tarefa em seu lugar. A lição de casa é um momento para ela exercer a autonomia. 
2. Cuidado com o perfeccionismo: não queira corrigir tudo. Arrumar erros de grafia de palavras, por exemplo, pode atropelar as etapas de alfabetização. Em qualquer série, isso impedirá que o professor note as dificuldades de seu filho e intervenha de forma adequada. 
3. Estimule o raciocínio. Ou seja, em vez de dar respostas prontas para as perguntas que surgirem, exponha exemplos que façam a criança pensar e tirar as próprias conclusões. 
4.   Evite críticas, porque interferem na autoestima e criam inseguranças.


Fonte: http://planetasustentavel.abril.com.br


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